Entrevista com a madrinha do SAS Aline Belli (Belli Studio)

14.10.14


Entrevista com a madrinha do SAS Aline Belli (Belli Studio):

1.       Equipe SAS: Como surgiu o Belli Studio, e o que fez você se apaixonarem por esse ramo?
Resposta Aline: A Belli Studio surgiu em 1999, primeiramente focada para ilustrações de livros infantis. No início eu dava aulas no curso de Publicidade e Propaganda da Furb e da Uniasselvi e vinha para dar uma força no atendimento e na parte administrativa. Cheguei a me questionar muitas vezes se não estava embarcando num sonho do Rubens (meu marido) e qual era exatamente o meu papel em toda esta arte. Em 2001 fizemos nosso primeiro curta-metragem e ganhamos o Prêmio Cinemateca Catarinense com o desenho: Aventuras na Ilha da Magia. Com isto pudemos estruturar uma pequena equipe e começar a prestar serviços na área de animação para publicidade e também fizemos diversos curtas para o mercado editorial. Entre 2006 e 2007 fizemos para o Beto Carrero uma série de 21 episódios em animação clássica para os seus personagens. Neste momento já me envolvi nas negociações e comecei a entender mais de produção de série. Entregamos o último episódio ao Beto em dezembro de 2007 e ele morreu no inicio de 2008 levando junto o sonho de ver a primeira série do sul do Brasil num canal de TV aberta... guardamos com muito carinho este depoimento - dele sobre Belli Studio: http://youtu.be/VapWrn228II?t=5m43s

A partir de 2009 conhecemos a ABPITV (Associação Brasileira de Produtores Independentes) e o programa BTVP (Brazilian TV Producers). A partir daí começamos a viajar para eventos internacionais e testar ideias de projetos nossos. Aprendemos que é importante trabalharmos com 05 projetos diferentes - em estágios diferentes de desenvolvimento - para apresentações para players do mercado. E, ao observar o que se movimentar melhor, se a estrutura da empresa é pequena, coloca os outros projetos em stand by e foca naquele que teve retorno mais positivo para virar produção. Não é fácil tirar um projeto de série do papel. É caro, é preciso ter equipe, é preciso ter emissora de TV (a internet não conta para acessar fundos) e tem muuuuito tempo de dedicação. Os projetos - da ideia original - ao início da produção levam em média entre 3 a 5 anos para acontecer. Neste estágio descobri minha paixão - trabalhar na área de produção executiva de projetos de animação e fazer a costura de talentos, financeiro - leis, patrocinadores, apoiadores, investidores, ideias de lindas historias que farão a diferença na vida das pessoas por terem uma mensagem por trás é o que amo fazer. Um propósito de vida - deixar um legado positivo, que toque as pessoas atrás de uma história em que elas possam se ver ou se divertir para tornar a vida mais leve. ;-)

2.       Equipe SAS: Como você vê a produção cultural e cinematográfica no Brasil hoje, e quais os projetos brasileiros que estão sendo bem sucedidos aqui e no exterior?
Resposta Aline: Estamos ainda engatinhando, mas com premiações internacionais já chegando. Temos ainda muito para aprender no sentido de tornar nossa atividade sustentável. O papel do governo é ensinar o filho a caminhar - e ajudar protegendo o mercado, fazendo leis de incentivo, mas um dia isto vai deixar de existir e temos que ter algo que dê retorno, que se sustente e alimente a cadeia produtiva como um todo.
Eu estive em Annecy quando o longa: Amor e Fúria ganhou a maior premiação. Foi uma emoção assistir na França um filme em Português, com legenda em  Francês e depois ver a premiação! Quem trabalha nesta área de contação de histórias - como é o cinema, as séries para TV, as animações infantis... tem que amar muito esta arte e achar que vale a pena! Ainda é um caminho bem difícil, mas as coisas começaram a acontecer e isto é muito animador!
Ano passado o Brasil ganhou novamente o prêmio em Annecy com O Menino e o Mundo. Foi indicado ao Emmy Canadense de melhor série infantil com o Meu Amigãozão... tudo isto reflete talento! São prêmios de expressão. Precisamos agora é movimentar nossa bilheteria interna - as pessoas precisam ver mais estas produções, os filmes brasileiros, e ver que os profissionais estão aumentando seus gabaritos e os trabalhos estão ficando incríveis - com orçamentos que Hollywood duvida que uma produção de qualidade possa ser feita!

3.       Equipe SAS: Quais as leis e incentivos à cultura que você indicaria para as empresas do segmento do áudio-visual?
Resposta Aline: Temos a lei Rouanet e a Lei do Audiovisual em seus diversos artigos. Cada uma com sua especificidade. No estado temos o Prêmio Cinemateca Catarinense e o ICMS não pode ser usado para estas produções - como é o caso de SP e RJ. Lá a união dos produtores já conseguiu movimentar bastante no poder público - o que nos falta ainda por aqui. O Estado e os Municípios precisam entender que investir em produção de conteúdo é divulgação, é geração de empregos e renda, é movimentação de ativos.

4.       Equipe SAS: Quais os cursos e segmentos que você aconselha os seus colaboradores a fazer?  
Resposta Aline: sempre penso que o profissional precisa ser especialista no que decide fazer, sem esquecer-se de olhar ao redor e ver os complementos. Um animador, por exemplo, precisa entender muito de movimento. Mas é importante também entender de volumes, perspectiva, anatomia. É importante estar sempre se exercitando e entender que o software é uma ferramenta - não um 'ser pensante'. Nada substitui o artista. Também é legal ele entender um pouco de cores (para dar clima as cenas), mesmo isto sendo feito por outro profissional, entender de software (mais de um!!) e ver como isto pode dar um gás para o seu trabalho. Ah - o animador também é um contador de histórias. Ele também vai ter que contar uma história em uma cena, observar o que vem antes e depois, dar um clima (expressões) - entender de sentimentos. Trabalhar em equipe, saber se expressar (fazer um curso de oratória é bacana também!!). Aqui estamos sempre movimentando alguma coisa em termos de curso e estudo... desenho clássico, escultura (clay), storyboard e concepção de cena, desenho de observação (já fomos para uma laboratório de biologia e a galera desenhou diversos bichos empalhados, depois fomos com o grupo para um zoológico para observarem movimentos e desenharem também. Ainda quero trazer aqui no studio uma aranha caranguejeira para deixar na mesa e ver o que sai de sketches (vou ficar do lado de fora da sala rsrsrs). Animação é movimento. Movimento é pesquisa. Pesquisa é treino. Treino é perseverança. :-)

5.       Equipe SAS: Vocês terceirizam o trabalho de áudio? Têm algum profissional dessa área no estúdio?
Resposta Aline: Sim, terceirizamos o áudio. Fazemos muitas vezes vozes guia para animatics no studio, mas elas não tem "atores" de verdade... São apenas referência. Entendemos que áudio é parceria, compromisso. E é uma arte complementar que não vale a pena hj termos na estrutura.

6.       Equipe SAS: O que o animador precisa ter e ser para se encaixar neste ramo?
Resposta Aline: Conhecimento. Técnica. Saber trabalhar em equipe. Saber ouvir e interpretar uma história em cenas. Buscar sempre se aperfeiçoar. Comentei mais coisas na pergunta 04.

7.       Equipe SAS: Seria possível ter algum projeto de desenho animado feito por estudantes apadrinhado pelo Belli Studio?
Resposta Aline: Vcs querem dizer com acompanhamento da Belli Studio? Que tipo de projeto? Um curta? Como seria este acompanhamento (o que se espera)? Ou a ideia aqui é apresentar um projeto de série ou longa para posterior desenvolvimento? Podemos agendar 'pitchings' para isto - desde que o formato seja previamente definido. Talvez um sessão de pitching num evento seja legal. Já é um treinamento bacana para uma pessoa que tem uma ideia. Geralmente os pitchings tem 10 minutos - e o criador precisa contar sua historia neste tempo e fazer a pessoa que está ouvindo se apaixonar.

8.       Equipe SAS: Em todos esses anos quais são as maiores dificuldade enfrentadas pelo Belli Studio?
Resposta Aline: Tivemos momentos diferentes... qdo fizemos 10 anos, por exemplo, percebemos que fazíamos de tudo em ilustração e animação 2D mas não estávamos comunicando isto de forma eficiente - não estávamos especialistas em nada... então reformulamos e focamos em séries de animação 2D para TV, ilustras para livros infantis e mapas humanizados (para parques temáticos ou cidades). Aí as coisas começaram a fluir diferente. Qdo o Beto Carrero morreu, passamos por um aperto gigante... tínhamos uma equipe com mais de 30 pessoas e uma segunda temporada de desenho animado já engatada - que acabou nunca acontecendo. Tivemos que demitir 17 pessoas em duas semanas... foi um terror.  Temos ainda dificuldade de manter uma linha de produção constante na área de series para TV, com pagamentos regulares (o fundo setorial atrasa muito, é super-difícil captar por lei de incentivo) o que acaba impactando no nosso fluxo de caixa. Enfim... coisas de dia a dia que a gente vai lidando para poder continuar fazendo o que amamos fazer.

9.       Equipe SAS: Vocês têm um plano de estágio?
Resposta Aline: trabalhamos com "trainnee" - que são contratos por tempo determinado com estudantes ou recém formados em animação ou ilustração. Eles são selecionados pela equipe do studio e vem passar de 8 meses a 1 ano com nossa equipe. Entram trabalhando em mesas de luz e revendo conceitos de animação, depois entram no software e tem oportunidade de colaborar como auxiliar de animação /ilustração em algum trabalho que está rodando na casa, tendo seu nome citado nos créditos. A próxima seleção será no final de novembro/14 para um grupo que vem em 2015 a Blumenau.

10.   Equipe SAS: Como vocês valorizam e quantificam em valor financeiro de cada projeto?
Resposta Aline: é preciso estudar o formato. Quantos episódios são? Que tipo de animacão é (cheia, econômica)? Quantos personagens tem? Qual a complexidade? Qual a saída de cada animador para este projeto por semana? Quantos cenários são necessários? Quantos atores/vozes? Como será a trilha sonora (original ou free)? Tudo isto é analisado com bastante cuidado. Por isto, fazer orçamento também é uma arte. E demora um pouquinho.

11.   Equipe SAS: Como funcionam os contratos e direitos autorais e vocês renovam o mesmo em quanto tempo?
Resposta Aline: Tem coisas que fazemos como prestação de serviço e não temos direitos autorais e tem coisas que são produções nossas. Nossos projetos de série e longa tem sempre um criador atrelado que tem percentual de direitos autorais e recebe uma linha no orçamento qdo o material entra em produção. Cada caso é uma análise.

12.   Equipe SAS: Como concebem a idéia de uma animação e como adaptam a idéia ao publico-alvo?
Resposta Aline: Formatamos um projeto e vamos testar. As vezes em escola, as vezes em eventos com reuniões de apresentação para produtores mais experientes ou para tvs. Levamos uma 'one-sheet' de apresentação e fizemos um pequeno promos com uma animação bacana no nível do que queremos produzir - aí mostramos. Tem que estar bem bonitão para ter um feedback válido. A gente já tem uma boa noção de faixa etária com tudo o que temos estudado estes anos e a adequação final é dada pelo canal qdo o material recebe um retorno positivo. Mas antes de apresentar já mapeamos o perfil do canal. Por exemplo, a Cartoon no Brasil é mais para meninos a partir de 9 anos. Então não vamos apresentar para eles ideias de meninas fazendo ballet... tem que estar coerente com a posição do canal para não queimar o filme. Neste mercado vc consegue chegar nas pessoas e apresentar as ideias, principalmente em eventos, mas é importante trabalhar nelas. Fazer algo que valha a pena ser mostrado para que vc não seja lembrado por algo muito negativo que possa fechar portas no futuro.

13.   Equipe SAS: Quais os softwares que o estúdio mais utiliza?
Resposta Aline: na área de animação trabalhamos com ToonBoom Harmony. Na área gráfica, Photoshop, InDesign.

14.   Equipe SAS: Quais são as principais dicas de postura ao iniciante para começar sua carreira?
Resposta Aline: não achar que já domina tudo... ter uma postura de constante aprendizado, de bom ouvinte. Alguém que goste mesmo de testar, estar sempre se desafiando em ilustrações e animações... sabe aquela pessoa que só vai fazer inglês se a empresa pagar pq é importante para a "empresa"...? Isto não rola! A pessoa precisa avaliar por sim o que é importante fazer e FAZER. O currículo é sempre da "pessoa-física" e não da pessoa-jurídica! A única responsável por um currículo de sucesso é a própria pessoa. Pegue nas mãos o seu "destino" e escreva sua história! Hoje tem internet que torna mais acessível, diversos conteúdos, tem diversos cursos nas nossas cidades, é só buscar e se dedicar.

15.   Equipe SAS: Como vocês lidam com a censura e o compromisso educacional do público alvo nos desenhos infantis feitos pelo estúdio?
Resposta Aline: Sempre tem gente que vai amar uma história e tem gente que não vai gostar... o importante é estar seguro do que se propõe e se permitir testar. Internamente a Belli Studio tem um propósito norteador para os projetos que assume tanto para prestação de serviços como para produção de conteúdo. Nem todos nosso projetos são educacionais. Normalmente os educacionais são mais direcionados para pré-escola. Os outros têm pegadas diferentes. Qdo um projeto nasce ele não vem com a preocupação de como será a censura. Ele vem para o papel, depois vai para teste e quando entra em produção já tem um caminho especial de argumentação. Assim a gente espera acertar mais. Sei que soa piegas falar "feito com amor" - mas qdo se tem isto como direcionador, se vc errar, vc vai entender e ajustar. Mas a margem diminui consideravelmente. :-)
 
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